domingo, 12 de julho de 2015

Crítica sobre o Filme :A Vida secreta das Palavras,ou a coragem de permanecer a descoberto



Qual é o caminho entre o eu e o outro?Seria necessário construir uma ponte ou derrubar os muros entre nós e o mundo?De que seriam feitos cada um desses obstáculos, que convenientemente traçamos?Seria de nossas dores e máscaras com que nos perdemos entre o que nos é essencial e o convencionalmente aceito?Para fora, permanecemos em estado de apatia, respondendo com sorrisos tímidos aos que nos perguntam (os educados) se vamos bem. Por dentro,ante tantas dores, persistimos imersos em dores, destruídos,incapazes de prosseguir nossa narrativa. Em alguns momentos, sob o mais absoluto acaso, alguma coisa acontece e somos confrontados com a possibilidade do outro. O que fazer?Fugir correndo, enquanto ainda temos pernas ou respirar fundo e estender a mão?Este é o preâmbulo do filme espanhol Vida Secreta das Palavras(COIXET,2005) que conta a história de Josef e Hannah e o caminho em direção a eles mesmos e ao outro. Inicialmente, sob o aparentemente hermético roteiro de Isabel Coixet, não é possível compreender a protagonista, uma mulher de seus 30 anos , sociopata e completamente alheia ao mundo exterior, sem paixões ou desejos localizáveis durante as primeiras cenas, cuja fotografia plena de tons de cinza exacerba o vazio interior da personagem. E é assim que, em um desvio confuso de roteiro, que Hannah tira férias e vai parar na plataforma de petróleo onde Josef trabalha e acabara de sofrer um acidente que o deixa temporariamente cego.É na enfermaria onde os dois travam contato, comunicando-se apenas pelo contato das mãos de Hannah,que é enfermeira, no debilitado corpo de Josef e pelas raras palavras que ela deixa escapar ante a insistência de Josef.Aos poucos, cria-se um laço, onde o público percebe que não é apenas o corpo de Josef que esta destruído, mas também o de Hannah.Despojados de qualquer defesa, os personagens se aproximam e se apaixonam.Mais do que isso.Na mais bela cena do filme, Hannah rompe o silêncio e confessa a Josef as intermináveis torturas que sofrera durante a Guerra dos Balcãs . Assim, desnudos corpo e alma ao paciente, a personagem mostra-se por inteiro. Ao perceber a intensidade do sofrimento da enfermeira, Josef se comove e os dois aproximam-se, reconhecendo-se sem máscaras. Uma bela cena, contudo não é só de romance que o filme fala, mas dos processos existenciais inerentes a cada um de nós, sujeitos sempre em construção. Assim são todos os personagens da plataforma, seres que,segundo um dos encarregados do local, “preferem ser deixados em paz”. Seria esse o caminho mais fácil ante o assustador percurso até o outro?O roteiro prefere deixar em aberta tal questão, deixando que penetremos o interior de cada personagem, suas escolhas e incoerências, paixões e pequenos prazeres, recolhidos em um canto isolado do planeta no meio do mar. Em algum momento, um acontecimento qualquer rompe a bolha que cada um criou para si e permite vislumbrá-los sem subterfúgios, desnudos e frágeis, incompletos, arriscando, em uma palavra ou gesto, chegar até o outro. Mais do que falar de encontros desencontros, A vida secreta das palavras, ainda que tenha algumas falhas de edição e roteiro (como cortes pesados e sem sentido e desenvolvimento previsível em algumas cenas) parece revelar, por trás da cortina cotidiana, fragmentos de existência comum, cotidiana e exatamente por isso, bela. Ao final,metaforicamente, há o reconhecimento de que estamos em alguma medida todos marcados pelas dores e incompletudes da vida,fragilizados em nossos corpos, queimados, destruídos, propensos a mergulhar no interior absoluto de nossas existências e ali permanecer para todo sempre. Por cima de tudo, a pele que vestimos para os que nos veem de longe não deixa ver quase nada de nosso,tantas são as defesas que nos impingimos..Felizmente cabe ao imponderável a tarefa de perscrutar em nosso corpo um fragmento de alma a descoberto e , ante nosso assombro, arrancar da carne a pele, à sangue frio.E então estamos ali, expostos, em sangue e dores.Se formos fortes(aparentemente)correremos em desabalada carreira, procurando tamponar as feridas com todas as máscaras possíveis que encontrarmos pela frente. Entretanto, se admitirmos nossa fragilidade, perceberemos sob o corpo exposto a pulsação de uma vida inexplicavelmente mais bela, porque efetivamente nossa.É preciso,contudo ter a coragem de permanecer a descoberto,sempre.




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