sábado, 15 de fevereiro de 2014

a profusão dos sentidos em A grande beleza

Assistindo o filme A grande Beleza hoje me dei conta da veracidade da frase de Walter Benjamin sobre o cinema, quando afirma que o filme se destaca de todas as demais formas de arte devido à intensidade das experiências que engendra (BENJAMIN, 2012). De fato, se um adjetivo pode ser aplicado ao filme de Paolo Sorrentino, é este: intenso... Desde a primeira sequência, um travelling que percorre todas as camadas da cena, A grande beleza revela-se de uma força estética inigualável, seja pelo composição dos quadros,a luminosidade de cada cena, o uso de elementos de figurino e de objetos de cena que convidam ao deleite dos olhos e a trilha sonora,poderosa. Já nos primeiros minutos, conhecemos Jep, o angustiado escritor/jornalista,em sua efêmera e vazia vida de socialite.Em suas festas intermináveis, os personagens mais grotescos se sucedem, envolvidos em vidinhas medíocres e pensamentos idem.Não é por acaso que a escolha do figurino da grande maioria deles gira em torno de preto e branco.Não há cor ali.Só o desmedido Nada. È em Jep que se vislumbra a busca dar cor no mundo, a essência, algo que ele mesmo não encontra há anos, desde a publicação de seu primeiro (e último romance) e o encontro com sua maior paixão. É nos ecos da intensa experiência que vivenciou, que Jep encontra sentido para sua existência frívola,cujo rumo ele decerto já perdeu quase que totalmente.Em vez disso, caminha ao largo das ruas de Roma, procurando a beleza com que retornar ao processo criativo abandonado,como um flanêur que sai em busca de emoções. Entretanto Jep somente se depara com o vazio, a frivolidade e a superficialidade dos seres humanos com os quais convive.. É interessante perceber que, para além da imagem,o som também busca desequilibrar o público,alternando-se de médio a alto, em andamentos acelerados, que vão do canto clássico mais profundo a um erguer-se súbito até culminar em uma batida eletrônica, instintivamente sexual, dando o ritmo aos corpos que se movem na tela. Ao mesmo tempo,os personagens,em suas caras e bocas exageradas, ,despem seus corpos e seu vazio interior enquanto Jep escarnece de todos e a cidade de Roma assiste a tudo,impávida, imutável,eterna.
Há uma preocupação estética quase doentia em cada sequência, seja na textura da luminosidade dos planos, na escolha dos figurinos e na composição das cenas, o que às vezes, quase esbarra no non sense. Mas ao final,há um sentido interno ao filme, uma busca que se revela na busca do escritor/protagonista e que amarra cada parte do filme.Sim, os seres humanos são frívolos,no sense, superficiais e frágeis.Sim, as relações humanas são efêmeras.Sim, a essência está perdida,quase que totalmente. Mas quando parece que o filme quer lançar o espectador no mais absoluto desespero, ou no ar blasé de Jep, a quem nada surpreende, eis que surge o estalo, o ponto fundamental, a grande beleza buscada: a vida. Esta mesma vida que escapa por entre os minutos do cotidiano e as amarras das convenções sociais.Esse minuto de silêncio e escuro do qual fala Jep,quando finalmente consegue voltar a escrever.A essência.Então percebemos o que a desvairada câmera de Sorrentino queria registrar:o essencial,invisível na superficialidade,mas aparente a todos aqueles que mergulharem de cabeça no filme . Trata-se de uma experiência de todos os sentidos, visuais, sonoros, táteis, olfativos e afetivos. E,ao final,já nos créditos,quando ainda estamos sob o impacto da Grande beleza, a música inicial acompanha um passeio da câmera por Roma,em toda sua magnitude, amarrando um a um,todos os estímulos provocados pelo filme.É impossível resistir às lagrimas e sair do cinema indiferente,uma vez que a grande beleza provoca uma revolução definitiva em nossos sentidos,que tornam-se mais apurados,mais sensíveis,a partir dessa magnífica e inesquecível aula de linguagem cinematográfica, como uma catarse que proporciona o acesso a níveis nunca antes imaginados de experiência estética.