domingo, 18 de janeiro de 2015
indicados ao Oscar 2015- Teoria de Tudo: entre a arte e a ciência
De todas as características do cinema, há uma em particular que o aproxima mais especificamente da magia do que da técnica: a arte de manipular o tempo. Seja através de equipamentos,estratégias,sintaxes ou apenas sob a batuta sensível do diretor e do roteirista,mais do que uma forma de contar histórias, o que o cinematógrafo trouxe, na evolução que iniciou-se entre Lumière e Meliès, foi uma perspectiva de tentar recortar, esticar ou encurtar fragmentos de vida humana.Presos aos limites dos planos em sucessão, nos enquadramentos pensados pelo diretor( em constante diálogo com os sentimentos do roteirista) fazer cinema,é,em alguma medida, tocar a face do divino que há no universo e tangenciar a linha do tempo que permeia a vida de cada um de nós. Além disso, mais do que qualquer outra forma de arte, a narrativa fílmica apoia-se desde sempre na firme mão da ciência, seja quando promove o milagre de imprimir em película as gradações da luz que delineia o mundo que podemos ver, seja na possibilidade de reproduzir-se em espaço e tempo, avançando na história e tornando-a outra à medida que absorve as evoluções tecnológicas e as torna palavras imagéticas, forma de narrar. Da montagem ao aumento do número de quadros por segundo, passando pelo Cinema 3,4,5D até os mais avançados projetores digitais, a sétima arte tem se esmerado na tarefa de brincar com o tempo e até,ocasionalmente,ressuscitar os mortos. Talvez por essa razão, na adaptação do livro Teoria de Tudo, que conta a história do cientista inglês Stephen Hawking, há uma forma específica de contar a história do genial professor que prima pela minuciosa escolha do entalhe perfeito, a iluminação precisa, o enquadramento exato com os quais se abre a janela para a intimidade do personagem. Assim é que em quase todas as cenas há uma escolha de resultados estéticos e narrativos magníficos, de uso de filtros, e manipulações de foco, de modo a, em alguns momentos, parecer que a câmera mergulha na própria consciência de Hawking e de sua companheira, Jane. Logo no início do filme o personagem principal, um jovem estudante de Doutorado em física, é confrontado com o desafio de tentar provar as leis fundamentais que regem o universo, intento que consegue realizar, de forma brilhante. Mas não é somente no campo da ciência que o pesquisador mergulha no desconhecido. É também nesse momento que ele conhece Jane,estudante de letras,com quem ficará casado por quase 30 anos.É com grande delicadeza que o roteiro propõe o encontro de duas pessoas que se tornariam grandes cientistas.Stephen,ateu,físico, encantado pela estudante de poesia medieval,Jane,vinda de uma família de católicos fervorosos.Entre Deus e a ciência estabelece-se um diálogo através do amor dos estudantes,amor que é posto à prova devido à grave doença que acomete Hawking, fato que é de conhecimento geral. Antes, o cientista consegue estabelecer um tema de estudo sobre o tempo e a origem do universo, provando sua teoria na tese de doutorado que defende em Cambridge. Neste momento o filme do diretor James Marsh mergulha na sutileza da linguagem cinematográfica, narrando com rara poesia o momento do insight de Hawking enquanto contemplava uma xícara de café. Enquadrado em big close, a espuma do café, em espiral, subitamente começa a inverter seu movimento, pressupondo o instante onde o cientista provavelmente conseguiu capturar a ideia-chave para construir suas teorias. É também com a mesma sutileza que Hawking deixa cair objetos no chão ou tropeça nas próprias pernas, sem que seja necessário empregar nenhum tipo de auto-explicação para que o público compreenda em seus gestos os primeiros sintomas da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA),doença que o acometeu e com a qual convive até hoje. Sobre a interpretação de Eddie Redmayne cabe uma nota: torna-se lugar comum falar sobre o absurdo empenho deste em retratar um Hawking brilhante, irônico, apaixonado. A veracidade de sua entrega ao papel é tamanha que em alguns momentos parece não haver distanciamento entre ele e o personagem, fazendo o público crer que também está acometido de esclerose. E quando seus braços e mãos se torcem e as pernas não obedecem mais, sobram aos olhos e poucos músculos do rosto a tarefa de dar peso dramático á narrativa. É o suficiente.Com apenas essas poucas ferramentas é possível enxergar as sutilezas das emoções distintas vivenciadas pelo personagem, seja defendendo sua tese de doutorado, seja ao brincar com os filhos ou mesmo ao se encantar pela enfermeira que seria sua segunda esposa.Em nenhum momento o filme exagera ao carregar nas cores do drama,embora exista muito drama na biografia de Hawking.Para além de um mártir,o que poderia ser um caminho fácil,dadas as circunstâncias, há a escolha de compor com delicadeza uma narrativa poética e sensível, abusando dos filtros em que Hawking é retratado como essencialmente humano.Em nenhum momento do filme há julgamentos ou defesas,deixando bem claro que cada cena foi uma escolha narrativa e não tem a pretensão de apenas registrar os fatos. Ao contrário, Teoria de Tudo é, antes de qualquer coisa, uma poesia visual sobre a relação fundamental entre arte e ciência, imprescindíveis para que se possa fazer cinema, mas também necessárias para que se possa alcançar a essência do universo. Entre a física e a arte sobressai a escolha pelo amor, que perpassa todos os momentos dos personagens até chegar em uma das cenas finais, onde Hawking e Jane, juntos nos jardins da Rainha da Inglaterra, contemplam o que ,segundo o cientista,parece ser sua maior obra: os três filhos, já grandes. Tecendo com cuidado cada plano,o colossal esforço de equipe e de Redmayne e as escolhas estéticas dos diretores de fotografia e arte está a belíssima trilha sonora de Johann Jóhannsson. Sejam diegéticas ou não ( em vários momentos do filme o cientista ouve Wagner, sua grande paixão), as músicas parecem conduzir o público para um estado de reflexão, erguendo seus olhos para o céu e pensando sobre as misteriosas engrenagens que compõem o universo, fato reforçado nos créditos finais, onde a belíssima música de encerramento mescla-se à imagens de galáxias, constelações e corpos celestes. Neste último momento, o filme parece unir a magia estética dos astros aos mistérios que as ciências tentam explicar. Em um último plano todas as estrelas reúnem-se no globo ocular do cientista,aproximando, sob o feitiço do cinema, ciência e arte, amor e razão .Para cada um de nós a escolha pelo divino pode recair por um ou alguns desses elementos.Segundo Teoria de Tudo, o segredo estaria no equilíbrio perfeito de cada um, assim na arte como na vida.
Pra saber mais:
http://www.adorocinema.com/filmes/filme-222221/
Trilha sonora original:
https://www.youtube.com/watch?v=3oRMtvwYz80
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