Após 2 merecidos meses de férias, retorno do tempo em que fiquei offline, tendo assistido pouquíssimos filmes devido a estudos paralelos. A vontade era de assistir uns 10 em cartaz, mas infelizmente não deu. Bom, finalmente de volta ao mundo real, ou o que o valha, começo as aulas de roteiro e documentário pela exibição do filme Wilson Simonal “Ninguém sabe o duro que dei”, dirigido por Micael Langer, Calvito Leral e Cláudio Manoel (2009).
É incrível como o início de um filme, seja lá qual for, sempre me causa o mesmo frio na barriga, ante a experiência em perspectiva. O que será que vai acontecer comigo, quais caminhos vou percorrer, quantas estradas vão se abrir na exibição de imagens ali na minha frente?Mesmo já tendo assistido o filme no Festival do Rio, um filme é uma experiência do tempo, sempre outro a cada exibição, porque somos sempre diferentes. E assim foi Simonal para mim naquele momento.
Na posição confortável de quem já sabia o que ia se passar, eu pude voltar minha percepção à reação da plateia com a história que efetivamente não conheciam. Das conversas abafadas num ambiente mais informal que no cinema padrão, a epopeia do artista foi tomando conta dos espaços, forçando os silêncios, não é todo dia que se vê um cantor comandar com maestria 30 mil pessoas, num coral tão impossível quanto real.
E assim, sua trajetória sobrepõe-se ao riso, ganha importância, impõe sua presença na história do cara pobre que ganhou o mundo em músicas suingadas e simples, sem falsas ilusões ou promessas. Simonal é o que é, canta porque é seu modo de comunicação fundamental e ele o faz com absurda competência, como se transformado em um potente veículo de comunicação de massa pela grandeza de seus acordes e pela simpatia de seus gestos.
Além disso, a estrutura do documentário foi construída com base em Motion Graphics, a genial tecnologia de mover, manipular e recortar imagens,tornando-as animadas e formando novas composições estéticas,para além da mera exibição de fotos.Os depoimentos coroam o conjunto. São emocionados, viscerais, dolorosos. Quase que como se todos vissem o personagem principal de novo materializado e tentassem reter sua presença, como se sentissem responsáveis por sua morte. No fundo do auditório, aqui na plateia, já se ouve fungar de narizes em alguns cantos. É a história que bate em nossos rostos com o tema de uma grande injustiça. Onde estava a história desse cantor tão grande em sua trajetória, que foi extraída da grande mídia?Que condenação pode ser maior a um artista do que o ostracismo?
O filme não busca condenação para o episódio em que Simonal, por diferenças com seu contador, supostamente mandou dois homens (que seriam do exército) darem uma surra nele. O roteiro inclui inclusive o depoimento do próprio contador, registrando a ocorrência do que foi um caso de tortura, uma vez que ele foi levado aos porões do DOPS e supliciado pela máquina repressora do Estado.
Não é papel da narrativa inocentar Simonal. O principal réu é a mídia, questionada da falta de apuração sobre a suspeita de Simonal ser informante do Dops e o silêncio retumbante que se fez, principalmente entre a classe artística, uma vez que o cantor fora despojado de sua fama e carreira. A mídia enterrou o cadáver, mas o homem ainda estava vivo.
É disso que fala o documentário. Que poder é esse que impede alguém de continuar vivo, sejam quais forem as acusações contra ele?No final, a dor maior é pensar que o conhecimento tardio de sua obra não apaga a lacuna de 20 anos esquecimento, nem cura a mágoa dos amigos e familiares.
O papel do cinema então é o do mensageiro, que vem à luz trazer a notícia de que houve um dia um homem morto em vida pelos caprichos da mídia. É a contra-mediação, a mediação do cinema questionando a midiatização corporativa dos veículos de imprensa dos anos 60 a 90, que calaram por sobre uma injustiça que deviam, por princípio, combater. Culpado,ou inocente, Simonal era um artista e dois grandes.Sua ausência no cenário cultural é um absurdo que a produção do filme e os familiares do cantor tentaram combater.A julgar pela pequena plateia de olhos vermelhos no final da exibição, conseguiram seu intento.Para coroar a noite,fizemos uma rodada de pizzas no pátio da faculdade, afinal não só de ideias vive o homem.Não podia haver modo melhor de recomeçar o semestre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário