domingo, 1 de maio de 2016
Experiência sensível em Truman.(sem spoilers)
É com a certeza de que esse texto estará absolutamente aquém da experiência vivida do cinema que suspiro e continuo escrevendo. Porque, certamente, nenhuma sintaxe dará conta de explicar que mecanismos produzem o efeito de um filme sobre um corpo, que o faz arrastar-se pelos corredores de um cinema após a exibição, olhos inchados, mãos que tremem e permanecer nesse estado por aproximadamente meia hora. Não há teoria complexa o bastante para compreender o fenômeno e, a essa altura dos acontecimentos, só consigo reconhecer que há mistérios na experiência sensível (que o cinema representa como ninguém) que não ouso decifrar, apenas vivenciar. Assim foi com o filme Truman, drama hispano-argentino de Ricardo Darin, que conta a história de um ator, condenado por um câncer terminal, que passa quatro dias com um amigo distante, Thomas, que veio visitá-lo. Enredo prosaico, nada original, alguns diriam. Mas está aí a beleza do filme. Truman é próximo demais, humano demais,seja em seus diálogos,seja na forma como nos oferece a simplicidade das relações profundas, dos afetos, onde as palavras são desnecessárias. É quase possível tocar os laços explícitos que se notam nos atores, o que me faz pensar em como teria sido essa preparação de atores. A química de Darin e Javier Câmara é evidente. Para além dos personagens, está inscrita na pele , no rosto e nos olhos dos dois...Em uma das sequências mais belas do filme, logo na chegada de Thomas(Javier Cámara),ao abrir a porta, Julian(Ricardo Darin) gasta uns bons minutos sorrindo para o amigo(e vice-versa), enquanto a câmera utiliza-se de um módico plano-contraplano...Nada mais é necessário para que fique claro ,logo de cara, a intimidade dos dois. Antes disso, o diretor Cesc Gray abusa da simetria em seus planos de abertura, utilizando-se de linhas diagonais e gastando à vontade as regras de composição de quadros, criando belas imagens. Mas o filme se sobrepõe a isso. É uma narrativa sobre relações humanas, suas potências e falhas, ou como somos irremediavelmente enganados pela sensação de que viveremos para sempre, na medida em que negociamos com dificuldade o tempo que nos resta por aqui. Muitas vezes somos surpreendidos pela brevidade desse tempo e o quanto em muitas situações negligenciamos nossos afetos em benefício de uma escolha, profissional ou afetiva, deixando de dizer o que realmente importa. Mas o filme de Darin não está ali para preencher de palavras a lacuna entre duas pessoas. Ao contrário. É no silêncio emocionado entre o eu e o outro que Gay torna sua narrativa mais bela. Quando os personagens se encontram, não são as palavras que preenchem o espaço, mas a falta delas.Há ali um reconhecer-se no outro,na inevitabilidade do desencontro e da separação, adultos que somos,sempre envolvidos em nosso brutal cotidiano.Truman não apresenta uma solução para o desencontro, ele o tensiona, o esgarça, para pontuar segundo a segundo a importância do afeto, nos ínfimos segundos onde ele acontece.O filme é uma mão estendida, em meio ao caos cotidiano, que se oferece a alguém que, sabemos,não estará lá para sempre...O que a narrativa nos diz é:esteja atento a esse breve momento de silêncio,onde duas pessoas, das mais diversas formas de afeto,olham uma para outra,reconhecem-se e dizem sim. E neste breve intervalo, cabe uma vida inteira.
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