domingo, 12 de fevereiro de 2012

Cinema mudo:ousar sonhar





Crítica do filme O artista



Na seara cinematográfica o filme é a inscrição do movimento, a construção das palavras no dueto entre luz e sombra, tecendo significados ao sabor do tempo. Neste espaço sagrado,onde a sala de cinema é o altar onde fieis vem alcançar suas bênçãos,cada qual penetra por seus próprios pés em território fantástico,abraçando seus medos e desejos enquanto recebem sua porção de sonho.Altar de rituais mágicos ,o cinema constrói sua realidade no silêncio da sala escura e na inércia do corpo para a elevação da alma, ativando sentidos ao passo que confere a cada um a identidade do personagem que se apresenta na tela, figura etérea, reflexo do ser, humano por essência e divino por aclamação. Acima da humanidade postam-se os deuses olimpianos da película,desde o primeiro registro cinematográfico que contextualizava o tempo no desenrolar das imagens do cinematógrafo.E o olho humano,ao ver a grande novidade diante dos seus olhos,libertou-se da tarefa de registrar momentos e passou a tentar apreender sensações e pensamentos tornando a imagem puro sentir.E a plateia,condenada ao breu da sala,se entregava ao exercício do sonho vendo surgirem em sua frente reis e rainhas desfilando em estado de graça,para júbilo dos que os observavam.Até a década de 30,a composição do cinema vivenciou o sonho pela circunstância de limitar à imagem capturar a realidade,permitindo que os sons,componentes essenciais do universo real,permanecessem constituídos unicamente da música e da percepção de cada um. Assim é O artista,filme do diretor Michel Hazanavicius ,que ousa trazer em 2012 a magia do cinema mudo para as telonas cada vez maiores dos cinemas assépticos de shoppings mundo afora.o artista é um apelo à magia simples do cinema do inicio,do passatempo das massas,enchendo de risos as salas dos poeiras de dantes.George Valentim é o astro ingênuo e carismático que cativa o público com suas tiradas espontâneas,dominando as platéias e a mídia assim como Peppi Miller, ilustre desconhecida e aspirante a atriz. Quis o destino e o roteirista que os dois se encontrassem um dia ,frente às câmeras e a espontaneidade da senhorita encantou o ator,que,generosamente lhe deu um lugar nas filmagens(e no coração,embora nada aconteça no início).Ocorre que o cinema mudo,do qual George era o astro maior,encontrava seus últimos dias e a industria buscava novos rostos para ilustrar suas historias agora com imagem e som e achou a Peppi Miller.



"O artista"percorre os dois caminhos,da decadência dele e da ascensão dela,passando pelos encontros e desencontros de ambos,o que torna o filme um bom drama recheado de belos momentos de sintonia entre os dois.Mas o que torna o filme realmente fantástico é o resgate,seja pela ocorrência de se apresentar em p&b ou mesmo pelo fato de ser mudo,da ingenuidade dos filmes clássicos e a magia do cinema original,onde atores e atrizes usavam seus corpos e rostos para dar o tom dos personagens,conferindo grande dramaticidade às cenas.Além disso a fotografia primorosa joga com reflexos de espelhos para indicar emoções dos atores,viradas de câmeras para mudar estados de espírito e uma deliciosa cena de Peppi contracenando com um paletó,num dueto belíssimo,pela sutileza e resgate do cinema como máquina de fabricar ilusões.De fato,o advento do som ,aliado ao crash da bolsa de nova York em 1929 transformaram o modo de fazer filmes,concentrando a produção em poucos estúdios e tornando as películas produtos de consumo por excelência, à parte a qualidade com que eram feitas. O artista conta um pouco dessa historia,resgatando ícones do cinema de origem,como as musas intocáveis e os galas ingênuos,os números de dança e as ilusões quase circenses dos primeiros filmes.É uma homenagem belíssima à memória cinematográfica e todos os seus personagens,um convite à delicadeza dos filmes de Charles Chaplin e ao encanto dos musicais de Fred Astaire e Ginger Rogers, sem perder a ingenuidade dos números de circo, onde o espectador nunca sabe o que vai acontecer depois. O artista é uma declaração de amor ao universo fílmico,emocionando a platéia ao passo que constrói uma metalinguagem para falar de si mesmo,uma poesia visual e sonora criada com ousadia por Hazanavicius .Em tempos de reedições,filmes em 3D e mais do mesmo,o artista é um sim à criação e a beleza do cinema em toda sua simplicidade,um convite ao mergulho no ilusionismo das salas escuras e um resgate a magia dizendo que sim,é possível voltar a sonhar.Resta ao público a escolha corajosa de mergulhar.

Veja o trailer:




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