terça-feira, 6 de março de 2012

Diário de Bordo - Terceiro dia de aula-Máquina de sonhos


Terceiro dia de aula e eu chegando atrasada. Depois de um começo leeeento,me deparo já à porta com milhares de termos técnicos ditos a exaustão com eficiência e rapidez pelo meu então recém conhecido professor de práticas audiovisuais.Nas mãos um aterrorizante manual técnico,ele dissertava sobre suas práticas no meio audiovisual e ele tinha muitas.A primeira coisa que pensei foi:Será que um dia também farei parte desse seleto grupo?A segunda coisa que me ocorreu foi que jamais dominaria tão complexa tecnologia. Confesso que deu muita vontade de sair correndo.Ao longo da ala,alguns alunos manifestaram-se, mostrando conhecimento e intimidade com câmeras e produções e pela primeira vez me senti um peixe fora d’água.Uma saudade enorme da minha pequena,minúscula faculdade de jornalismo bateu e pensei em como é difícil começar de novo.
Repassei mentalmente os motivos que me fizeram vir até a faculdade de cinema e o pânico de me tornar, de novo, uma prisioneira da tecnologia bateu. Esqueci de mencionar que trabalho há loooongos anos na área de tecnologia de informação e por motivos financeiros me vejo obrigada a permanecer lá,num cemitério profissional rodeado de pessoas muito satisfeitas(ou acomodadas)onde estão.Nessa perspectiva o desenrolar de termos técnicos era o que eu podia chamar de pesadelo,motivo pelo qual eu pensei em desistir e sair correndo de lá,aos berros.Foi quando o professor começou a falar sobre a relação mágica que existe entre o público e o filme e o poder de emocionar alguém sem que se chegasse mesmo a tocá-lo, apenas pelo artifício das imagens.É realmente poderosa essa tal de escrita da luz.
Conta-se sobre isso que o público presente à primeira exibição do filme dos irmãos Lumiére,”A chegada do trem”, saiu em desabalada carreira ao ver cortar a tela a maquina ferroviária em vertiginosa velocidade(para a época).Além disso, penso eu,a tecnologia do cinema passa pela circunstância da linguagem,fato esse que torna signos a combinação de cores,sons e sombras tornando o cinea uma grande ferramenta de comunicação.E,não bastasse isso,para coroar a transformação que começava a operar em mim,apavorada ante a perspectiva de novo embate com a tecnologia, a exibição de filmes da alunos da escola foi como um bálsamo,um convite a retornar ao sonho.Num dos filmes,a câmera era focada simplesmente nos pés dos atores,elevados a condição de personagens de uma prosaica história de encontros casuais entre homens e mulheres.O melhor,entretanto,ficou para o final.
No último filme, uma menina de óculos escuros ouvia música com fones de ouvido,sentada em meio a um jardim.Nas mãos uma foto com o provável namorado.De repente a câmera revive o personagem que tinha sido apresentado na foto e os namorados saem a brincar no jardim ao som da música tornada então pano de fundo para a ação.Logo vem o corte e a menina volta a ser retratada no jardim,tirando o fone cuja música lhe possibilitara o encontro então imaginário com o namorado.A câmera facilita as coisas, foca nas mãos da Jovem a foto que antes mostrara e então, ao afastá-la, surge um convite onde se vê a foto do namorado e duas datas marcadas, onde se sugere a vida e a morte que são a sucessão inevitável de cada um. E logo, eis que surge, na experiência individual do cinema, a mágica para além de toda arte, onde o poder reside no entreato de imagem e sentido.
Ao afastar a câmera,o público pode ver a menina sentada em uma cadeira de rodas, sendo empurrada para o interior de uma clínica por um indivíduo trajando roupas brancas.A ideia que automaticamente vem à mente é a narrativa da história da personagem,completamente destituída de palavras,mas tão somente do sentido visual ali presente:houve um acidente de carro,onde o namorado morreu e ela, a namorada, permaneceu viva para lembrar da história dos dois,fato reforçado pela música e pela foto.Ao acender das luzes todos nós, alunos e espectadores do filme, chegamos à mesma conclusão:fomos levados pela maestria dos narradores a imaginar a mesma coisa.Estava ali então ao alcance das minhas mãos a resposta que ainda não tinha enxergado:o cinema é a máquina de sonho,artifício e tecnologia de convidar a pensar e a comunicação é o fenômeno que ocorre no intervalo entre o ver e o sentir,entre público e imagem.Para além de toda outra forma de arte,o ilusionismo do cinema é o jogo coletivo do “nós”,mesclando diferentes sentidos na tarefa(belíssima)de escrever na luz.Estava eu então, diante de tal conclusão,definitivamente apaixonada.

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