terça-feira, 13 de março de 2012

Hugo Cabret: O cinema e o sonho



Devo confessar que costumo desconfiar de filmes muito recomendados. Em geral, me obrigo a assisti-los somente pelo privilégio de discordar. Entretanto, ao ouvir na faculdade algumas pessoas falando que “A invenção de Hugo Cabret” falava sobre a historia do cineasta francês Méliès, fiquei muito curiosa para ver de que forma isso seria abordado numa animação.Pipocas em punho , parti para o cinema, acompanhada de vários amigos.Devo registrar que já havia assistido um vídeo sobre o making of do filme em que eram acentuadas as cenas em que alguns efeitos especais foram realizados,como numa pratica de revelar o truque do mágico,algo que me encantou.A narrativa gira em torno de Hugo,menino de seus oito anos,órfão do pai,talentoso relojoeiro,que morreu e deixou-o aos cuidados de um tio beberrão, funcionário da companhia ferroviária,que também desaparecera,levando Hugo a permanecer escondido na estação de trem,dando corda aos relógios da estação sem que se soubesse que era um menino que realizava o trabalho.A motivação do personagem é conseguir consertar um protótipo mecânico de homenzinho(chamado no filme autômato),objeto de estudo do pai e capaz de escrever mensagens.Além disso, também precisa escapar das garras do guarda da estação de trem, que costuma prender órfãos circulando pelo local.A história não revela grandes surpresas:Hugo logo encontra uma amiga com quem faz grandes descobertas , inclusive a chave que consertara o homenzinho , revelando uma mensagem inusitada do criador do protótipo.O encanto reside, entretanto, na história por trás da história, na magia que é revelada através da descoberta de que o rabugento dono de uma loja de brinquedos é um cineasta,o celebre George Méliès,até então fadado ao esquecimento.Ao descobrir a mensagem do protótipo,uma cena de um filme de George Méliès( que, por cinematográfica coincidência,é avô da amiga de Hugo) é desenhada no papel,revelando sua assinatura.É previsível que as crianças descubram nos guardados do avô uma série de imagens sobre seus filmes e que encontrem numa biblioteca um professor aficionado pelo cineasta, que se propõe a ir até a casa dele, levando sua coleção de peças sobre Méliès e ainda uma última cópia de um filme deste. A visita torna-se uma exibição do filme na presença de sua esposa e das crianças e, o que também é previsível, da presença do próprio Méliès, que acaba se aproximando do grupo e revela seu segredo.É então que começa a real magia :ao reconstruir a trajetória do cineasta, o mérito do filme é ressuscitar todo um ambiente de sonho na construção de cenários e fantasias por Méliès,nos primórdios do cinema.Por nossos olhos maravilhados,passam criaturas fantásticas, foguetes que vão até a lua(Viagem a lua.George Méliès.1902),

sereias e estrelas,todas retratadas com fidelidade,seja na concepção cenográfica das histórias coloridas à mão,quadro a quadro,na produção das fantasias ou nas ideias do cineasta e de sua mulher,atriz e co-produtora de todos os seus filmes.E então a verdade vem à tona:após a Primeira Grande Guerra, com a triste ascensão da realidade ao universo mundial, os filmes de sonho e fantasia de Méliès foram, de acordo com o filme, deixados pouco a pouco de lado, razão pela qual o cineasta, num acesso de fúria, queimou todos os seus filmes e colocou uma pedra sobre seu passado, tornando-se comerciante.
A descoberta, como era de se prever, traz Mèliés de volta como cineasta e ,com a colaboração de seu público,possibilita a exibição de todos os fragmentos de filmes que conseguiram ser recuperados pelo professor, que organiza uma premiére para o artista.Ao subir ao palco e agradecer a seu público,Méliès afirma:"convido os senhores a sonhar comigo".Penso que o grande mérito de filmes como “Hugo Cabret” ou “O artista”,não trata apenas da expertise técnica de ambos, mas no fato de proporem os dois uma reflexão sobre o papel do cinema, para além da indústria monumental que se firma cada vez mais como produtora de entretenimento de alto custo e baixa magia. Sonhar é diferente de entrar em um devaneio com hora marcada para acabar,ou seja,o tempo certo de exibição do filme.O que “O artista” e,principalmente “A invenção de Hugo Cabret” fazem é convidar o público a imaginar,a penetrar no canto mais escondido de sua alma e corajosamente sonhar,em comunhão com a trama que é narrada na tela.Para além de entreter,os filmes,cada qual a seu modo,convidam a pensar não somente sobre a história do cinema ,mas na necessidade de trazer o espectador ao centro do processo criativo,compreendendo as origens dos filmes,mas também refletindo sobre a arte como um todo e da urgente,real e contemporânea necessidade,na sociedade das imagens,de pensar sobre o que se vê e ousar ainda usar a imaginação.

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